Há alguns anos, em 2001, no
auditório do STJ- Superior Tribunal de Justiça, juntamente com a colega
Advogada e irmã, Dra. Maria Auxiliadora Martins Melo, participei de
interessantíssimo Seminário Internacional – Clonagem Humana: Questões
Jurídicas, sob a Coordenação-Geral da Justiça Federal e Diretor do Centro de
Estudos Judiciários, Ministro Milton Luiz Pereira.
(A Criação de Adão. Afresco de 280 x 570 cm pintado no teto da Capela Sistina de autoria do artista Michelangelo Buonarotti por volta de 1511)
Esse seminário deu seguimento ao
Curso de Medicina Legal participado anteriormente na universidade como
disciplina opcional e guardo os respectivos diplomas por lembrança de algo que
sempre despertou particular interesse que é a possibilidade de associar áreas
de conhecimentos diferentes em torno de tema comum, a exemplo de Artes e
Direito, que resultou para o universo jurídico na titulada tese Autenticidade
no Direito Autoral de Obras de Artes, e, precisamente - para efeito deste micro
artigo - o envolvimento da Ciência Social (Direito) com a Ciência da Saúde.
A possibilidade de atenuar pena
de réus que possuem genes ligados à criminalidade tem sido motivo de estudos
desde antes da concepção política do nazismo-fascismo e ganhou volumosas
páginas na esteira do pensamento da Teoria da Raça Pura, no Darwinismo Social.
Atualmente, esse assunto retornou
às páginas de jornais com o ingrediente da possibilidade da influência do meio
ambiente no comportamento humano, o que tem levado especialista ao velho jargão
de que “o homem é fruto do meio”. Sem novidades.
Sem dúvida que no DNA estão as
informações físicas principais de cada indivíduo. Cor do cabelo, altura,
predisposição a doenças. Mas, o que entabulam no momento é a possibilidade do
genoma carregar além dos caracteres físicos, também os aspectos imateriais e
abstratos que compõem a personalidade de cada indivíduo, a exemplo da marca da
maldade, do DNA do mal.
O QUE INTERESSAVA AO UNIVERSO
JURÍDICO
Embora
a abordagem desta exposição não seja o Ato e nem o Fato jurídico, as relações
jurídicas têm como fonte geradora os fatos jurídicos. Há sempre um fato que antecede o surgimento de um direito subjetivo.
Fato, portanto, é um evento, um acontecimento, e de acordo com o Código Civil:
Art.
186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.
O ato ilícito é a manifestação de vontade, dolosa ou
culposa, que viola direito e causa dano à vítima, seja por ação, omissão,
negligência ou imprudência, podendo este dano ser moral ou patrimonial.
Do ato ilícito que causa dano à
outrem, surge o dever de indenizar.
‘
Embora o ato ilícito tenha um entendimento único, pode
receber punição civil, penal e administrativa, como por exemplo, quando há
lesões corporais.
‘
No campo do direito penal, o agende responderá pelas lesões
corporais com pena privativa de liberdade ou outra sanção que a lei dispuser. O
interesse de punir, no campo penal, é social e coletivo. Pouco importa para o
direito penal se houve prejuízo moral ou patrimonial.
No Direito Civil importa saber quais os reflexos dessa
conduta ilícita do agente.
Em sumo, o que até então interessava para a Ciência do
Direito era o resultado e a extensão da ação humana, ou seja, quando a ação era
exteriorizada e saía da esfera de atuação do indivíduo (autor) até porque o
Direito é uma Ciência Social, e por ser ciência social possuía como preocupação
básica o elemento que estabelecia a ligação e o vínculo entre as pessoas tendo
como objeto os bens presentes (já pré-existentes por ocasião da ação ou
omissão), é o que chamamos de relação jurídica que possuía como fonte geradora
os fatos jurídicos.
Então, as relações jurídicas, portanto, possuem como fonte
geradora os fatos jurídicos e há sempre um fato que antecede o surgimento de um
direito subjetivo.
Entretanto, o assunto desta abordagem não são os Fatos e
Atos Jurídicos que dizem respeito à vida prática forense do Direito das
Obrigações, Contratos, etc., mas o motivo dessa abordagem é a origem dessas
relações no próprio individuo, no genoma do ser humano, antes de saírem da esfera
de atuação do indivíduo, antes do dano propriamente dito.
OSERVAÇÕES COTIDIANAS
A terceira lei de Newton especifica que “a toda ação
corresponde uma reação de mesma intensidade, mesma direção e sentido
contrário”.
Sabe-se também que um medicamento ou alimento ingerido por
um enfermo poderá alterar seu estado de saúde doentio, e, conseqüentemente, irá
alterar seu quadro psicológico, humor e atitude, e essa alteração no quadro
físico e pessoal do indivíduo conduzirá a condutas sociais diferentes de antes
da ingestão da substância medicamentosa e alimento.
Assim, em decorrência dessas verdades inegáveis surgiram as
premissas que ampliaram a esfera de preocupação da Ciência do Direito, que
consiste no fato de se detectar antecipadamente quais são os possíveis
componentes deflagradores de atitudes ilícitas ou socialmente pecaminosas.
GENÉTICA DO CRIME
Com base em estudos sobre a existência de componente
genético na violência há uma corrente de pensadores que defende que cometer
atos criminosos é uma característica herdada com a qual se nasce e esse raciocínio, em tese, já pode
ser visto nas varas dos tribunais tanto para o bem quanto para o mau de um
acusado.
Mas aí é que reside o perigo, pois parte
de publicações sobre o tema tende a concluir por eximir ou diminuir a pena de
condenado com a falseta de que o condenado era uma pessoa que nasceu doente, e
que, por se tratar de um ser de genoma alterado, a valoração sobre o resultado
de sua conduta delituosa deve ser amenizado e até desculpável. “Afinal – questionam
risivelmente -, como condenar alguém que já nasceu doente?!”
A título de exemplo tem-se que em 2009,
um homicida italiano teve a pena diminuída em um ano porque a defesa convenceu
o júri que o réu era portador de um gene, o MAOA, associado à impulsividade.
Por outro lado, a genética do crime tem sido vista por
psiquiatras como uma condenação antecipada, discricionária, equivocada e
discriminatória, pois filhos de criminosos poderiam ser tachados de violentos e
predispostos a infringir a lei, aumentando o estigma que carregam.
FICÇÃO E REALIDADE
Existe um conto que foi levado as telas
de cinema de nome Minority Report. Esse filme de ficção lançado em 2002,
estrelado por Tom Cruise e dirigido por Steven Spielberg, tem o roteiro baseado no conto
com o mesmo nome de Philip
K. Dick
O filme passa-se em Washington no ano de 2054. A divisão pré-crime conseguiu acabar com os assassinatos, nesse setor da polícia o futuro é visualizado antecipadamente por paranormais, os precogs, e o culpado é punido antes que o crime seja cometido.
(Cartaz do filme Minority Report)
O filme passa-se em Washington no ano de 2054. A divisão pré-crime conseguiu acabar com os assassinatos, nesse setor da polícia o futuro é visualizado antecipadamente por paranormais, os precogs, e o culpado é punido antes que o crime seja cometido.
(Cena do filme)
Os três precogs só trabalham juntos e flutuam conectados num
tanque de fluido nutriente. Quando eles têm uma visão, o nome da vítima aparece
escrito numa pequena esfera e noutra esfera está o nome do culpado. Também
surgem imagens do crime e a hora exata em que acontecerá.
Estas informações são fornecidas a uma elite de policiais, que
tentam descobrir onde será o assassinato, mas há um dilema: se alguém é preso
antes de cometer o crime pode esta pessoa ser acusada de assassinato, pois o
que motivou a sua prisão nunca aconteceu?
O líder da equipe de policiais é John Anderton (Tom Cruise), que
perdeu o filho de seis anos antes em virtude de um sequestro. O desaparecimento
da criança fê-lo viciar-se em drogas e ainda continua dependente, mas isto não
o impede de ser o policial mais atuante na divisão pré-crime. Porém algo muda
totalmente a sua vida quando vê, através dos precogs, que matará um
desconhecido em menos de trinta e seis horas.
A confiança que Anderton tinha no sistema rapidamente fica
abalada e John segue uma pequena pista, que pode ser a chave da sua inocência:
um estranho caso que não foi solucionado. Mas apurar não é uma tarefa fácil,
pois a divisão pré-crime já descobriu que John Anderton cometerá um assassinato
e todos os policiais que trabalhavam com ele tentam agora capturá-lo.
Logo John começa uma corrida contra o tempo para tentar provar
sua inocência, durante esta busca ele descobre diversas fraudes no sistema e
uma delas é que as pessoas tem o poder de mudar seu próprio destino.
CRIMINOLOGIA
Pelo que se observa de textos publicados na internet, os
defensores do mapeamento dos genes da violência acreditam que o conto Minority
Report se torne realidade um dia. Entretanto, existem sérios
criminologistas (Paul S. Appelbahu, pesquisador do Instituto de Psiquiatria do
Estado de Nova York) que não respaldam essa ideia
Para este pesquisador, “a utilização, no
futuro, de testes genéticos na Corte esbarrará na limitação do que os genes são
capazes de nos dizer sobre traços do comportamento e distúrbios
neuropsiquiátricos”, argumenta. Isso porque, embora alguns genes já tenham sido
associados a elementos como a impulsividade, um fator de risco para a violência
–, é praticamente consenso entre cientistas que, sozinho, o DNA não define a
personalidade e estudos com gêmeos que foram separados logo após o nascimento e
criados em lugares distintos sugerem que o caminho trilhado pelos indivíduos é
também resultante da interação de genética e questões ambientais.
CONCLUSÃO
Seja como for é certo que o DNA tem-se
tornado um aliado fortíssimo das investigações criminais, capaz de influenciar
inclusive decisões de juízes, que, aliás, diga-se de passagem, do mesmo modo
que acontece comigo, não somos doutores nessa ciência e nos valemos sempre da
opinião de peritos.
Além do mais, graças ao exame genético é
possível determinar a autoria de estupros, assassinatos, filiações não
reconhecidas espontaneamente, sem esquecer de mencionar os casos de condenados
injustamente que tiveram suas penas revogadas após o exame de DNA inocentador
desde os primeiros estudos que associaram a violência à hereditariedade em
1960, nos EUA.
Assim, contrariando o pensamento de
Appelbahu e com fulcro na experiência do que comumente acontece na tendência
humana, de formular e equacionar os problemas para encontrar soluções mais
práticas para a vida cotidiana, acredito que o incômodo não reside no
inevitável escaneamento do genoma humano para confirmar ou descartar a
participação de um individuo em um delito baseado na probabilidade biológica de
essa pessoa ser criminosa, mas reside, sim, na interpretação errada sobre as
informações colhidas do DNA por parte de advogados e juízes.
Afinal, conforme estudo publicado na
revista médica The Lancet só no caso de cânceres de mama, próstata e
ovário ainda existem mais de 80 marcadores genéticos herdados, portanto o
caminho ainda é longo e não é único, e, ainda assim, portar essas variantes não
significa necessariamente que a pessoa portadora de tais variantes terá a doença.
Além do mais, no caso da Ciência do
Direito, na abordagem de criminalidade e violência associados à genética, é
mais complicado por se tratarem de conceitos subjetivos e mais recentes que os
estudos oncológicos.
Então, logo o inevitável mapeamento acontecerá e será possível mapear as características principais do genoma (DNA) de seres humanos relativas a delitos e assim poder-se-á alterá-las antes mesmo deles nascerem e cometerem delitos em vida. Mas no caminho desse poder científico reside o velho ser humano e seu perigoso livre arbítrio de más interpretações.
Então, logo o inevitável mapeamento acontecerá e será possível mapear as características principais do genoma (DNA) de seres humanos relativas a delitos e assim poder-se-á alterá-las antes mesmo deles nascerem e cometerem delitos em vida. Mas no caminho desse poder científico reside o velho ser humano e seu perigoso livre arbítrio de más interpretações.