Em 1718, após naufragar na costa
da capitania do Rio de Janeiro, onde praticou assaltos e atemorizou a
população, um bando de piratas ateus foi preso e enviado para receber punição
na Bahia. Na sede do Brasil Colônia, os corsários que não conseguiram fugir da
prisão foram julgados e 27 deles pegaram pena máxima – morte na forca – a
despeito de, na última hora, terem-se convertido ao catolicismo, tentando em
vão, encontrar brechas no Código Filipino em vigor. Assim, julgar piratas era
atribuição inicial da Corte baiana.
(Brasão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia: Escudo: Mantelado de azul e
vermelho. Sobre este uma balança ajustada a um sabre abatido de prata
surmontada por uma estrela de cinco raios do mesmo metal. Insígnias: Três
feixes de lictor, de prata, laçados de azul e dispostos em pala. Lema: "Suum
cuique tribuere" - Dá a cada um)
Esse exemplo, distante já no
tempo, ilustra com certo rigor a variedade e amplitude das decisões tomadas
pelo primeiro Tribunal de Justiça do Brasil, instituído pela Coroa portuguesa
em 7 de março de 1609, há exatos 404 anos dos dias de hoje de 2013. As
tentativas de implantação da Justiça na Colônia, contudo são anteriores,
datando de 1587 o primeiro Regimento com esse fim, de iniciativa do Rei Felipe
II da Espanha (I, em Portugal).
Depois do malogro dessa intenção,
em 1591, ainda no reinado do monarca espanhol, a Coroa editou novo Regimento,
que teve a mesma sorte do anterior.
No período de Felipe III, também
da União Ibérica, foi finalmente instalada a Justiça do Brasil, com o nome de
Tribunal de Relação. Esta não foi, como acreditam muitos, a primeira forma de
organização da Justiça no chamado Novo Mundo, pois os colonizadores espanhóis
haviam criado em 1511 a primeira Audiência Real em São Domingos, espécie de
tribunal de segunda instância, como o da Bahia.
O desenvolvimento do Brasil na
época colonial, com a expansão da lavoura açucareira, como asseguram alguns
historiadores, levou a Metrópole a implantar o Tribunal de Relação na Bahia,
destinado a atuar nas causas cíveis e penais, com jurisdição por todas as
capitanias distribuídas ao longo da costa. Na estrutura desse primeiro Tribunal
de Justiça, ficava definido que das causas cíveis que ultrapassassem
determinado valor caberiam recursos à Corte de Suplicação em Lisboa, mas os
delitos penais eram irrecorríveis.
Uma das primeiras dificuldades do
Tribunal no Brasil consistia na vinda dos magistrados para residir na Cidade da
Bahia, tarefa encarada, assinalam historiadores, como verdadeiro castigo.
Pelo Regimento de 1609, dez
desembargadores formavam o Tribunal. Um deles era o Chanceler, três outros eram
desembargadores de Agravos, além de um Juiz de Fora, um Procurador dos Feitos
da Coroa, Fazenda e Fisco, um promotor de Justiça, um Provedor dos Defuntos e
Ausentes e dois desembargadores extravagantes.
Os trabalhos dessa corte de
Justiça, iniciados em 1609, tiveram curta duração.
A invasão dos holandeses na Bahia
suspendeu o funcionamento do Judiciário, fato esse que foi somado a uma certa
indisposição da Coroa com o desempenho da administração da Justiça: Muitos
desembargadores exerciam o comércio, patrocinavam causas, cometiam várias
irregularidades e abusos, que se aguçaram no correr do século XVII.
O Judiciário da Colônia somente
seria restabelecido em 1652, por meio de um novo Regimento, depois de Portugal
retomar a sua autonomia política. Nesse intervalo, a administração da Justiça
nas terras portuguesas de além-mar coube a ouvidores-gerais do cível e do
crime. O novo Regimento trouxe também algumas inovações, segundo alguns
pesquisadores, como a de incluir como tarefa do Tribunal de Relação a posse dos
governadores da Colônia. Reduziu-se, ainda, para oito os membros da Corte,
número novamente ampliado para dez no século seguinte.
Os primeiros magistrados do
Tribunal de Relação do Brasil, quase todos portugueses, aplicavam o direito
positivo, contido no Código Sebastiânico de 1569, que abrangia as Ordenações
Manuelinas, e também as Ordenações Filipinas, de 1603. Os desembargadores
vestiam-se sobriamente, antes de entrarem em despacho eram obrigados a assistir
à missa e, ainda na primeira fase, envolveram-se em atritos com várias esferas
do poder colonial. O nível da magistratura só melhorou com a introdução no
Brasil dos cursos jurídicos, em 1828.
Com a independência do Brasil, em
1822, o tribunal baiano foi mantido, mas com a sua jurisdição diminuída, pois
em 1751 o marquês de Pombal, chefe do governo português, criou o Tribunal de
Relação do Rio de Janeiro, com competência a partir de Minas Gerais. Mesmo com
a independência continuou a vigorar no Brasil a legislação portuguesa anterior
a abril de 1821, mas por decisão de D. Pedro I (do Brasil) o novo Estado não
reconheceria a legislação preparada pelas cortes de Lisboa no mesmo ano.
Com o passar do tempo, cada vez
mais ficou reduzida a jurisdição da Corte baiana. Proclamada a República, o
Tribunal de Relação da Bahia funcionou até agosto de 1892, quando se dividiu o
Poder Judiciário nas esferas estadual e federal. Foram, então, criados o
Tribunal de Apelação e Revista, com doze conselheiros e um Tribunal revisor,
com igual número de membros.
Uma reforma na Constituição Estadual, em 1915, mudou o nome de Tribunal
de Apelação e Revista para Superior Tribunal de Justiça, e seus ocupantes
voltaram a ser denominados desembargadores.
Em 1957, nova emenda à Constituição Estadual denominou
de Tribunal de Justiça do Estado da Bahia a primeira corte de Justiça do
Brasil, que atualmente conta com 35 desembargadores e tem sede no Centro
Administrativo de Salvador, fórum que inclusive abriga os restos mortais do
jurista baiano Ruy Barbosa, trazidos do Rio de Janeiro e colocados em mausoléu
trabalhados pelos escultores Ismael de Barros e Mário Cravo Filho.
(Ton MarMel).