A morte é um fato jurídico que traz inúmeras
consequências para a Ciência Jurídica, com repercussão que começa durante o
velório, nos preparativos para o enterro e se estende após o sepultamento.
A sociedade brasileira convive com várias normas
jurídicas sobre a morte, infelizmente leis soltas e que se encontram espalhadas
nos inúmeros ramos do direito, que para a segurança jurídica, necessária se faz
a codificação dessas normas que hoje constituem num verdadeiro sistema
funerário, com grande autonomia em relação aos demais ramos jurídicos.
Algumas decisões dos Tribunais Superiores, ainda
bem acanhadas e remotas, consideram o direito funerário como pertencente ao
direito público.
Sabe-se que a morte traz inúmeras implicações
jurídicas sob os mais variados aspectos.
Espalham-se as normas regulando direitos sobre o
cadáver, sepulturas e cemitérios, sepultamento e cremação de cadáveres, remoção
e trasladação de corpos, legislação municipal sobre cemitérios, crimes contra o
sentimento de respeito aos mortos, serviços funerários, registros de óbitos e
outros correlatos.
São normas de direito civil, administrativo,
tributário, penal, processo penal, medicina legal, saúde pública, todas atuando
sem a sintonia necessária para se estabelecer a tão sonhada segurança jurídica.
Começando pelo direito civil, logo se verifica no
art. 6o do Código Civil que a existência da pessoa
natural termina com a morte, presumindo-se esta, quanto aos ausentes, nos casos
em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
A lei 9434/97, em seu artigo 3º determina conceito
de morte, como sendo a encefálica. Assim expressamente tem-se que a retirada
post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a
transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte
encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das
equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e
tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Definido o conceito legal de morte, passa-se agora
estudar quais são as providências que serão tomadas a respeito do cadáver.
Nos dias atuais, existem no Brasil dois tipos de
funeral. O enterro em sepulturas, o mais comum, e a cremação em fornos
crematórios específicos.
Sobre a cremação, esta modalidade está
regulamentada em Minas Gerais por meio da Lei nº 18.795, de 31 de março de
2010, que em seu artigo 1º, determina:
Art. 1° – Será cremado o cadáver:
I – daquele que houver
manifestado a vontade de ser cremado, por documento público ou particular;
II – por interesse da família,
desde que a pessoa falecida não se tenha manifestado em contrário, na forma do
inciso I;
III – no interesse da saúde
pública.
§ 1° – A cremação será feita
mediante apresentação de atestado de óbito, firmado por dois médicos ou por um
médico-legista, determinando a causa da morte e indicando a inexistência de
indícios de morte violenta.
§ 2° – Constatada a existência de
indícios de morte violenta, o médico-legista fará referência expressa ao fato
no laudo pericial e o encaminhará à autoridade policial, e a cremação somente
ocorrerá mediante autorização judicial.
§ 3° – Para efeito do disposto no
inciso II, a família limita-se ao cônjuge, ou aos descendentes, aos ascendentes
e aos irmãos, se maiores ou capazes, atuando, nessa ordem, um na falta do
outro.
Outra questão importante para o direito funerário é
saber quem tem o direito de sepultar, já que o sepultamento possui regramento
ligado ao direito de personalidade e proteção à dignidade humana.
A doutrina de Zygouris entende que esse direito
pertence, em primeiro momento, aos descendentes. Somente os filhos, os
descendentes, podem se ocupar desta tarefa transgeracional, cabendo-lhes a
honra e o dever de sepultar os corpos de seus genitores, que pela ordem natural
da vida, podemos perder os pais e vir a ser órfãos.
Alguns textos sagrados dispõem que o sepultamento é
o dever por excelência dos filhos do falecido. Quando o falecido não tiver
parentes, o dever de sepultar se transfere ao Poder Público.
A Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, dispõe
sobre os registros públicos, com tríplice objetivo de buscar alcançar
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Contém normas importantes sobre o
óbito, a começar pelo artigo 29, III, que obriga o registro do óbito no
registro civil de pessoas naturais.
O artigo 77 do mesmo dispositivo legal determina
que nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do
lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista
do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas
pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.
A Lei de Registro Público em seu artigo 79
disciplina a obrigatoriedade de se fazer a declaração de óbitos:
1°) o chefe de família, a respeito
de sua mulher, filhos, hóspedes, agregados e fâmulos;
2º) a viúva, a respeito de seu
marido, e de cada uma das pessoas indicadas no número antecedente;
3°) o filho, a respeito do pai ou
da mãe; o irmão, a respeito dos irmãos e demais pessoas de casa, indicadas no
nº 1; o parente mais próximo maior e presente;
4º) o administrador, diretor ou
gerente de qualquer estabelecimento público ou particular, a respeito dos que
nele faleceram, salvo se estiver presente algum parente em grau acima indicado;
5º) na falta de pessoa
competente, nos termos dos números anteriores, a que tiver assistido aos
últimos momentos do finado, o médico, o sacerdote ou vizinho que do falecimento
tiver notícia;
6°) a autoridade policial, a
respeito de pessoas encontradas mortas.
Sendo o finado desconhecido, o assento deverá
conter declaração de estatura ou medida, se for possível, cor, sinais
aparentes, idade presumida, vestuário e qualquer outra indicação que possa
auxiliar de futuro o seu reconhecimento; e, no caso de ter sido encontrado
morto, serão mencionados esta circunstância e o lugar em que se achava e o da
necropsia, se tiver havido. Neste caso, será extraída a individual
dactiloscópica, se no local existir esse serviço.
Em determinadas circunstâncias, é fundamental a
realização do exame necroscópico, a fim de determinar as causas que motivaram a
morte da vítima e, quando possível, estabelecer sua causa jurídica, a
identificação do morto, o tempo de morte e algo mais que possa contribuir no
interesse de esclarecer algo em favor da justiça.
A doutrina tem o costume de indicar três casos
previstos em lei para a realização da necropsia: morte violenta (por acidentes
de trânsito, do trabalho, homicídios, suicídios etc.), morte suspeita (sem
causa aparente) e morte natural de indivíduo não identificado.
O Código de Processo Penal, em seus artigos 162,
164 e 165, regula a obrigatoriedade da necroscopia:
Art. 162. A autópsia será
feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela
evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele
prazo, o que declararão no auto.
Parágrafo único. Nos casos
de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não
houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem
precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a
verificação de alguma circunstância relevante.
Art. 164. Os cadáveres serão
sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na medida do
possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.
Art. 165. Para representar
as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao
laudo do exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente
rubricados.
Em Minas Gerais, também existe a Lei 11.976, de 07
de julho de 2009, que regulamenta a declaração de óbito e a realização de
estatísticas de óbitos em hospitais públicos e particulares, sendo importante
ressaltar que o artigo 5º da lei estabelece que as secretarias estaduais e
municipais de saúde instalarão comissões ou serviços de investigação e/ou
verificação de óbitos visando a resolução de casos de falecimentos por causas
mal definidas e a busca da plena notificação dos falecimentos ao Sistema Único
de Saúde.
Em Governador Valadares/MG, existe a Lei 5.349, de
31 de maio de 2004, que dispõe sobre sepultamento de carentes em cemitérios
municipais, cujo artigo 1º assim estatui:
Art. 1º A Secretaria Municipal de Assistência
Social, através de seu órgão competente, por solicitação escrita de
representante legal de pessoa carente falecida, providenciará o sepultamento
desta em cemitério público, mais próximo de sua residência, de acordo com
disponibilidade de vaga existente, segundo normas estabelecidas pelo Executivo
Municipal.
Parágrafo único Para efeito desta
Lei, consideram-se pessoas carentes aquelas cuja renda familiar não exceda o
valor correspondente a 02 (dois) salários mínimos vigentes em Minas Gerais.
Ainda em Minas Gerais, a Lei 15.758/2005,
regulamenta o transporte intermunicipal de cadáveres e ossadas humanas no
Estado, assim prevendo:
Art. 1º O
serviço de transporte intermunicipal por via terrestre de
cadáveres e ossadas humanas exumadas e o fornecimento de urnas e caixões
mortuários somente poderão ser realizados por empresa regularmente
autorizada a prestar serviço funerário no Município em que ocorrer o
óbito ou no Município em que se dará o sepultamento.
Art.2º O
transporte intermunicipal por via terrestre de cadáveres
e ossadas humanas exumadas se dará exclusivamente em carro
fúnebre registrado em nome da empresa funerária autorizada a executá-lo,
devendo constar no campo “espécie” do certificado do veículo a denominação
“veículo funerário”.
Parágrafo
único. Exclui-se da obrigação de que trata o caput deste artigo o transporte de
cadáveres e ossadas humanas exumadas por carro do Corpo de
Bombeiros Militar e do Instituto Médico Legal.
É certo que o desespero toma conta da família
quando se perde um ente querido, as pessoas ficam sem rumo, desorientadas e
necessitam de informações de como fazer para sepultar o de cujus.
Por isso, a Lei Estadual 14.183, de 30 de janeiro
de 2002, em Minas Gerais, torna obrigatória a afixação, em local visível, na
portaria de hospital e de clínica, de cartaz com informações sobre os
procedimentos a serem adotados pelo familiar ou responsável em caso de óbito de
paciente.
O cartaz será confeccionado e distribuído pela
Administração Pública e trará informações detalhadas sobre a liberação e o
traslado do corpo, o serviço gratuito de sepultamento,
os procedimentos notariais necessários à obtenção da certidão de óbito, bem
como os endereços e os horários de funcionamento dos cartórios de registro
civil competentes.
O direito penal também não silenciou a respeito da
tutela aos mortos, que previu um capítulo próprio para proteger o sentimento de
respeito àqueles que se foram. Assim, nos arts. 209, 210, 211 e 212 do Código
Penal Brasileiro, há condutas típicas para aquele que impede ou perturba
enterro ou cerimônia funerária, que viola sepultura, que destrói, subtrai ou
oculta cadáver e para aquele que comete vilipêndio a cadáver. Pune-se também a
calúnia contra os mortos, que vem prevista no artigo 138, § 2º do CP.
Impedimento ou perturbação de cerimônia funerária:
Art. 209
– Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária
Pena –
detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo
único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem
prejuízo da correspondente à violência.
Violação
de sepultura
Art. 210
– Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:
Pena –
reclusão, de um a três anos, e multa.
Destruição,
subtração ou ocultação de cadáver
Art. 211
– Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
Pena –
reclusão, de um a três anos, e multa.
Vilipêndio
a cadáver
Art. 212
– Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena –
detenção, de um a três anos, e multa.
Calúnia
Art. 138
– Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena –
detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 2º – É
punível a calúnia contra os mortos
Concluindo essas linhas gerais sobre o direito
funerário, tem-se que o Brasil ainda carece de normas condensadas numa só
legislação federal, ainda que normas gerais, considerando a competência
privativa do município para legislar sobre vários assuntos ligados ao direito
fúnebre no âmbito de sua competência em legislar sobre assuntos de interesse
local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber.
Precisamos prestigiar o princípio da segurança
pública, entendido como aquilo que se confunde com justiça, principal
finalidade do direito e necessário aos indivíduos para o desenvolvimento de
suas relações sociais neste modelo atual de estado democrático e social de
direito, direito fundamental do cidadão a ter normalidade e estabilidade
jurídica, nos três aspectos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da
coisa julgada.
Por fim, deve-se fiel cumprimento à inspiração de
Beccaria, ao dizer que quanto maior for o número dos que compreendem e tenham
em suas mãos o sagrado código das leis, com menor frequência haverá delitos,
porque não há dúvida que a ignorância e a incerteza das penas ajudam à
eloquência das paixões.
“A vida não passa de uma
oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas
têm o abraço, as almas têm o enlace.” (Victor Hugo).
(Jeferson Botelho)
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