Fora da Democracia não
há salvação.
Essa verdade precisa
ser dita e redita, sobretudo nos momentos de crise política como o atual, para
que ninguém se iluda diante dos que pregam a confusão.
A Justiça a Serviço do Crime (Ton MarMel #marmel #tonmarmel) |
Para Nitti, trata-se do
governo em que “todos os cidadãos, sem
distinção de nascimento de riqueza, têm por lei os mesmos direitos civis e
políticos”.
Pontes de Miranda é
também incisivo. “Democracia é
participação do povo na ordem estatal: na escolha dos chefes, na escolha dos
legisladores, na escolha direta ou indireta dos outros encarregados do poder
público.”
Finalmente, podemos
citar a mais popularizada – a de Lincoln – segundo a qual é o governo do povo, pelo povo e para o povo.
Sendo democrática, a
Constituição Federal dispõe, no seu artigo primeiro que TODO PODER EMANA DO POVO E EM SEU NOME SERÁ EXERCIDO.
A Democracia tira sua
vida da vontade popular, desdobrada em duas opiniões: a maioria e a minoria. Como o verso e o anverso de uma só
moeda. Uma opinião que vence, uma opinião que é vencida. Uma situação e uma
oposição, tão intimamente ligadas, que será impossível a separação uma da outra
sem que se mutile a vontade livre e soberana do povo, estiolando-se a fonte de
legitimidade do poder.
Daí, no seu famoso
discurso que precedeu o de Lincoln, e que também foi proferido num cemitério,
haver dito Péricles – segundo depoimento de e Tulcídides – diante das tumbas
dos soldados mortos na guerra do Peloponeso, referindo-se à Constituição de sua
pátria, que “sendo o que ela se propõe o interesse do maior número, e não o de
alguns, o seu nome é Democracia.”
Não há discrepâncias.
Fazendo uma síntese
feliz, Sampaio Dória assinala que ”a
realidade sobre as formas de governo, no que tem de profundo, não mudou com ao
passagem dos séculos. Ainda hoje, os homens que dispõem de poder, ou o
receberam da nação, em cujo o nome o exercem, ou dele se investiram, impondo-se
pela força aos mais fracos. É o que se colhe da observação dos fatos em toda
parte, em todos os tempos. Aqui, a vontade que ordena é representada; ali, é
originária. Ou vontade delegada, ou vontade própria. Ou consentimento dos
governados na investidura e no exercício do poder, ou sujeição absoluta dos
governados à vontade dos que dispuseram da força. Da primeira categoria são os
estados democráticos; da segunda,os não democráticos.”
Muitas são as peãs
essenciais ao funcionamento da máquina democrática. Entretanto, dada a brevidade
desta notas, não nos interessam senão as duas que indiscutivelmente são as
principais: a igualdade e a liberdade.
Se DEMOCRACIA é o PROCESSO
através do qual é apurada a vontade do povo, a igualdade e a liberdade
são CONDIÇÕES sem as quais ela não pode
atingir os seus fins.
Em outras palavras,
podemos dizer que a Democracia é a
cúpula, enquanto a igualdade e a liberdade são os pilares que a sustentam.
A Constituição Federal
dispõe que TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A
LEI.
Corolário desse
dispositivo são outros postulados, como OS
CARGOS PÚBLICOS SÃO ACESSÍVEIS A TODOS OS CIDADÃOS; TODOS PODEM REUNIR-SE, SEM
ARMAS; A TODOS É LÍCITO PRATICAR TUDO QUANTO NÃO SEJA PROIBICO...
Quanto à
liberdade, numerosos são os dispositivos que a Magna Carta enumera: liberdade
de pensamento, liberdade de imprensa, liberdade de consciência e de crença,
liberdade de reunião,, liberdade de defesa, liberdade de associação, liberdade
no exercício de profissão, liberdade de representação, etc. A mais importante delas diz respeito ao JUS SUFRAGI, pelo qual tem o povo o
direito de escolher seus representantes. Na democracia brasileira a INDICAÇÃO DOS CANDIDATOS se faz por
intermédio dos PARTIDOS POLÍTICOS.
Estes, porém – E AQUI COMEÇA O
DESVIRTUAMENTO DO REGIME – não são devidamente estruturados. Em “A
REVOLUÇÃO LEGAL”, trabalho cuja atualidade é evidente, apesar de divulgado em
1924, escreveu Sampaio Dória que “A
SOBERANIA SE DESLOCOU DA NAÇÃO PARA OS SINDICATOS POLÍTICOS. A Nação é
soberana, MAS NÃO DECIDE. O povo é livre, MAS VIVE DEBAIXO DE GOVERNOS QUE NÃO
ESCOLHE”.
E explica: “O só caminho por onde, hoje em dia, pode um
moço no Brasil, entrar na política, é o afilhadismo e o engrossamento. Nunca, o
valor. Nunca, a independência. Mas, sempre a valia. Sempre, o amém.”
Atente-se bem para a profundidade da observação: nenhum moço entra na política
sem curvar a espinha diante dos senhores dos partidos, e, de mãos postas, sem
lhes dizer amém.
É preciso, pois, que
se retorne às fontes do regime na sua primitiva pureza, para que se acabe a
demagogia infrene que por aí campeia, e que vai arrastando o País praticamente
ao desespero e à convulsão.
É necessário que o procedimento nefasto dos que,
dizendo que são democratas, nada mais fazem senão enganar o eleitorado, seja
definitivamente eliminado.
Não é de hoje
que certos políticos falsificam a vontade do povo. Rui Barbosa, quando de “UMA
CAMPANHA POLÍTICA”, teve ensejo de descrever o ambiente vigente por ocasião do
movimento civilista: “A MÁQUINA ELEITORAL,
EMBORA FICTÍCIA, ESTÁ MONTADA SEM FALTA DE UMA SÓ PEÇA, PARA EVITAR QUE NOS
APROXIMEMOS DELA E CONSIGAMOS QUEBRAR O RÍTIMO DA GRAUDE, HÁ A POLÍCIA E A
JAGUNÇAÇDA, QUE MARCAM COM OS SBRES OS PUNHAIS E OS BACAMARTES, LIMITES À
SOBERANIA POPULAR.”
A situação não mudou com o advento da Justiça
Eleitoral. Através dos partidos, regra geral sem programas, ou tão só com
programa simplista de alcançar o poder, sem ideais e sem ligação com os
votantes, os demagogos têm nas mãos os fios farão dançar as marionetes no palco
do Parlamento Nacional.
Pode-se compreender a
gravidade da situação que se criou tendo-se em conta a observação do grande
democrata Francesco Nitti quando afiançou que “DIZER DE UM HUMEM CIVILIZADO QUE ELE NÃO PERTENCE A NENHUM PARTIDO, É
TAMBÉM DIZER QUEL ELE NÃO TEM NENHUMA IDEIA.” E que será então de uma Nação cujos partidos não representam idéias?
Muitas das grandes
queixas que tem o País, em conseqüência da ação de maus brasileiros, encontram
suas raízes na defeituosa conceituação dos partidos, em conseqüência da qual
são escolhidos, como candidatos, indivíduos desprovidos das necessárias
condições para o exercício do mandato popular. Homens corruptos, alguns
condenados pela Justiça, outros pela opinião pública como responsáveis por um
regime de escândalos na administração pública, são guindados a posições de
comando como se em razão de seu passado, ainda pudessem ser considerados
“líderes”. Não
obstante, prometendo recompensas a seus comparsas, inculcam-se candidatos a
postos eletivos e orientam a escolha de seus companheiros de chapa através de
convenções adrede preparadas, que são a grande vergonha de nossa Democracia.
Rui fulmina o sistema
de escolha: “AÍ ESTÁ, SENHORES, O QUE
TEM SIDO, NO BRASIL AS CONVENÇÕES ELEITORAIS: NÃO CONVENÇÕES NO SENTIDO JUSTO E
DEMOCRÁTICO DE ASSEMBLEIAS OU CORTES POPULARES, ONDE OS CIDADÃOS CONVÊM E
CONCORREM UNS COM OUTROS, PARA DELIBERAR LIVREMENTE SOBRE A ESOLHA DE SEUS
PROCURADORES, MAS NA BAIXA ACEPÇÃO DE CONVENTÍCULOS, ONDE SE AJUSTA E CONTRATA
SOBRE A COLAÇÃO DO MANDATO DE ELEITOS DO POVO AOS CABEÇAS OU MERCENÁRIOS DOS
CORRILHOS OFICIAIS.”
Esse,pois, é o grande
mal do Brasil O defeito que produz essa distorção que tanto nos atormenta e nos
faz sofrer.
Não há alternativa, não
há opção.
Ninguém livrará o país
do caos, se não considerar esta verdade: FORA
DA DEMOCRACIA NÃO HÁ SALVAÇÃO.
Aos
Democratas, pois, agora que, mais do que nunca, deles o Brasil precisa, dedico
este Livro.
São Paulo, janeiro de
1964.
ARRUDA CAMPOS
-----------------------------------------------------------
Este livro foi lançado,
e depois relançado, por um conceituada editora especializada na divulgação de
obras jurídicas.
COMPUS
ESTE TRABALHO, aproximadamente, EM QUATRO DIAS E DOZE HORAS. Isso sucedeu em
Jaboticabal, na Semana Santa de 1954, quando ali Servia na minha condição de
Juiz de Direito.
Uma injustiça da rotina
judiciária – dois chefes de família repentinamente condenados na segunda
instância AA reclusão por um delito sexual, cometido ao tempo de solteiros,
quatro antes – despertou-me o ímpeto de
escrevê-lo. A vontade de progredir na carreira, porém, sufocou-me o benfazejo
impulso. Por isso, ao terminá-lo, guardei comigo os originais.
Cinco anos depois,
outra injusta condenação convenceu-me a entregar o livro ao Editor. A
necessidade de pugnar pela Justiça, fazendo-a rever suas falhas, sufocou em mim
o desejo de progredir na carreira. E integrou-me ainda mais dentro dela – para
amá-la, e amando-as, defendê-la da ação dos que apenas a suportam, ou usam-na
em benefício de seus próprios interesses.
Ao publicá-lo, nele não
fiz a derradeira revisão, nem sequer mostrei-o a quem deveria prefaciá-lo. Um
mal entendido privou-me, na ocasião, não só da apresentação, como da
oportunidade de cortar expressões mais candentes e bem assim de fazer no meu
texto os acréscimos que agora saem nesta segunda tiragem, e saem sem qualquer
alteração, tanto mai que não talhei carapuças para ninguém.
Em um mês a edição
chegou ao fim. Mostra o pormenor que no livro se contém efetivamente uma
mensagem. Um brado de advertência que somente os surdos não ouvem e os
presunçõsos não o entendem. um grito angustiado de alarme, para que haja uma
mudança de rumo (o judiciário não se conFUNDA COM seus juízes) antes que,
descrente DOS ÓRGÃOS QUE MANTÉM PARA QUE O SIRVA, O POVO FAÇA JUSTIÇA POR SUAS
PRÓPRIAS MÃOS.
Se foi um bem, se foi um maL - não sei. Sei apenas
que o livro já não me pertence. Vai seguir também a sua carreira. Como aquelas
coisas, porventura inanimadas, Mas que valem por uma palavra de ternura ou um
gesto de amor, visando a suavizar o sofrimento alheio. E que, por isso, são
generosamente acolhidas por todos aqueles cuja alma resistiu – e não secou.
São Paulo, março de
1960.
Arruda Campos.
Magistrado.
(A Justiça a Serviço do
Crime. Editora FULGOR Ltda. São Paulo, SP. 1964)
-----------------------------------------
“O combate é de todas
as coisas pai, de todas rei, e uns ele revelou deuses, outros, homens; de uns
fez escravos, de outros, homens livres.” (Heráclito de Éfeso)