(Espelho. Pintura do artista Ton MarMel)
Dentre os termos e
parâmetros norteadores da lei autoral (Lei nº 9.610/98 e atualizações até 2014) abordou-se aqueles que mais interessam
aos propósitos desse estudo, ou seja, aqueles sobre os quais popularmente
pairam dúvidas e confusões quando confrontados com o significado de obra
autêntica, omitido na lei, tais como reprodução, contrafação, obra inédita,
obra originária e obra derivada. Dessa forma, localizados ainda nas disposições
preliminares, a lei traz as seguintes definições, in verbis:
Art. 5º
Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I — publicação — o oferecimento
de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de
qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo;
II —
transmissão ou emissão — a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de
ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios
óticos ou qualquer outro processo eletromagnético;
III —
retransmissão — a emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra;
IV —
distribuição — a colocação à disposição do público do original ou cópia de
obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções
fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de
transferência de propriedade ou posse;
V —
comunicação ao público — ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do
público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição
de exemplares;
VI — reprodução
— a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou
científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer
armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro
meio de fixação que venha a ser desenvolvido;
VII — contrafação
— a reprodução não autorizada;
VIII—OBRA:
a) em co-autoria — quando é criada em comum, por dois ou mais autores;
b) anônima — quando não se indica o nome do autor, por sua vontade ou por
ser desconhecido;
c) pseudônima — quando o autor se oculta sob nome suposto;
d) inédita
— a que não haja sido objeto de publicação;
e) póstuma — a que se publique após a morte do autor;
f) originária
— a criação primígena;
g) derivada
— a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de
obra originária;
h) coletiva — a criada por iniciativa, organização e responsabilidade de
uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é
constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se
fundem numa criação autônoma;
i) audiovisual — a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que
tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de
movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado
inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua
veiculação;
IX — fonograma
— toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou
de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra
audiovisual;
X — editor — a pessoa
física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra
e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição;
XI — produtor — a pessoa
física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da
primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a
natureza do suporte utilizado;
XII — radiodifusão — a
transmissão sem fio, inclusive por satélites, de sons ou imagens e sons ou das
representações desses, para recepção ao público e a transmissão de sinais
codificados, quando os meios de decodificação sejam oferecidos ao público pelo
organismo de radiodifusão ou com seu consentimento;
XIII — artistas
intérpretes ou executantes — todos os atores, cantores, músicos, bailarinos
ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem,
interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou
expressões do folclore.
(Negrita-se e ressalta-se).
Das definições
destacadas acima, embora algumas vezes empregadas erroneamente até como
palavras sinônimas umas das outras, acredita-se que não oferecem grande
dificuldade de entendimento o que seja reprodução de uma obra, contrafação de
obra, obra inédita, obra originária e obra derivada, conforme se ressaltou
anteriormente.
Buscando na lei soluções para um dos maiores problemas
que afligiram e atormentam a sociedade, que é o terrível problema do crime de
falsidade com efeitos no direito autoral, do qual o Brasil é um dos maiores
mercados globais de produtos com copyright
legítimo e um dos maiores mercados “piratas” do mundo, nada se
constatou a respeito de autenticidade
de obras; simplesmente o legislador
deve ter tido suas razões para ter sido omisso a respeito.
Seja como for, sabe-se que a expressão primígena
é dada ao primeiro da espécie, que não ocorreu nem existiu antes; que foi feito
pela primeira vez e não imita nem segue ninguém. Assim, dado o conceito de obra
original, tem-se conseqüentemente que obra derivada é gerada a
partir de obra já existente, não se confundindo com copiosa reprodução ou
contrafação.
Por sua vez, já tentando em rápidas palavras suprir a
omissão do legislador, diz-se obra
autêntica a que é do autor a quem se atribui; a que se pode dar fé; a
fidedigna; a que deveria gozar de presunção juris
et de jure (de direito e
por direito), ou de jure absoluto (de direito absoluto) até
prova em contrário, mas que, no entanto, como se verá mais adiante, o
legislador fez constar no art. 13 que “se considera autor da obra intelectual, não havendo
prova em contrário, aquele que... tiver, em conformidade com o uso, indicada ou anunciada essa qualidade na
sua utilização”, pois, para efeitos legais, a proteção aos direitos autorais não depende de
registro (art. 18), e, muito embora não dependa de registro, é certo que
até hoje carece de implementação pelo Estado a efetiva “defesa da
integridade e autoria da obra caída em domínio público”, tão decantada no §
2º, do art. 24, dos direitos morais do autor.
De fato, concessa venia, o que inexiste não pode
ser confirmado e o direito dá a cada um o que é seu. Mas, a autenticidade,
do mesmo modo que o direito autoral, independe e subsiste além da jurisdição
estatal, que, aliás, geralmente só marca presença quando instada a dirimir
conflito, inclusive na seara da autenticidade.
Assim, sendo
certo que, embora a autenticidade de uma obra ou sua autoria existam e
sejam, por sua própria natureza e condição, independentes de qualquer atividade
estatal a conferir certificação, é igualmente certo que existem situações nas
quais não se chega a um entendimento pacífico sobre a autenticidade de uma obra
sem a presença do estado-juiz a “tentar” dirimir dúvidas.
Por sua vez, o
fato de o Estado furtar-se da responsabilidade de controlar, de certificar e
registrar a autenticidade de obras até
prova em contrário, ao invés de diminuir as contendas judiciais
ligadas à autoria de obras, dá mais vazão ao comércio imoral da pirataria e
solidifica o paraíso institucional do fraudador, que, aliás, diga-se de
passagem, A PIRATARIA NASCEU NA MESMA MATERNIDADE QUE O DIREITO AUTORAL
PORQUE UBILAOMO, IBI JUS (onde está o homem, está o direito), e onde está o direito de petição à
jurisdição estatal está, ou esteve, o crime e a contravenção. A pirataria remonta aos tempos das primeiras navegações e
descobertas, muito antes da existência das facilidades de copiagem e internet, hoje à disposição da maioria
das pessoas do mundo.
O direito do autor, ou copyright, ou royalties,
teve início com uma concessão feita pela Coroa Britânica, ainda na Idade Média,
a apaniguados editores que, em troca do privilégio da comercialização de
livros, controlavam os escritos e excluíam de publicação os que não
interessavam aos monarcas. Desse modo, espertalhões deram início,
sorrateiramente, ao surgimento de escritos de outros países, desde logo
acusados de “falsos” porque fora do alcance do privilégio e do controle
censório.
Mais tarde, em face da natural necessidade humana de
ter acesso ao conteúdo de documentos e obras que pudessem trazer facilidades,
belezas e melhorias para suas vidas cotidianas, seja pela dificuldade de se ter
acesso a conteúdos e materiais oficiais, controlados e “legítimos”, seja pelo
alto preço de custo, seja pela pouca disponibilização desses conteúdos, meios e
materiais ao público consumidor, é certo que se incentivou a cópia. Sendo
igualmente certo, hoje, que, apesar de ter adotado recente legislação moderna
de propriedade intelectual, o Brasil vem combatendo a pirataria bem antes da
nova ordem internacional, apontada somente a partir do final do século passado.
(Ton MarMel)