(Paixão em nós. Pintura do artista Ton MarMel)
A
história da arte, a televisão, internet, celular, pager, museus,
teatros, cinemas, livros, jornais, revistas, cartazes, panfletos. Tudo, enfim,
pode ser arte, conter arte, servir de instrumento e de propaganda de arte
autêntica ou falsa. E independente dos interesses que possam existir por trás
de cada produção e evento, é fato que pessoas que manipulam esses instrumentos
selecionam o objeto que lhes convêm, dão o nome que querem, inclusive de arte,
e apresentam tais coisas como imperdíveis, atraentes, divertidas, culturais e
“autênticas obras de arte”, nas quais induzem que vale a pena se gastar
dinheiro e tempo, às vezes risonhamente.
No
passado os meios materiais de registro e transmissão de arte e sua essência
eram limitados. Praticamente resumidos aos inventos do papel, da tela, pintura
de afrescos, desenhos nas paredes das cavernas; enfim, confecção de utilitários
domésticos com todo tipo de material encontrado na natureza. Hoje, com a
evolução dos meios de fixação de idéias, imagens e sons se consegue tentar
perpetuar manifestações que no passado eram impossíveis. E com essas mesmas
invenções se viaja cada vez mais ao passado para resgatar documentos, obras,
registros de manifestações culturais cada vez mais longe.
A
constatação de que a arte e todos os objetos de manifestação cultural não
sobrevivem sem os cuidados do homem sugere outro problema, o do contínuo
esforço para a sobrevivência material e imaterial dos objetos artísticos sem
interferir na qualidade da obra original, ou interferir o mínimo possível; o
que não é tarefa fácil porque o homem é finito e limitados são os meios
materiais ainda disponíveis, e toda e qualquer obra humana vive, sofre
acidentes, envelhece; e toda vez que se busca a restauração, o retoque, a
recuperação, a limpeza, a manutenção, certamente se intervêm na obra original e
na evolução natural da obra, por mais que não se deseje.
Assim,
uma obra pintada, por exemplo, por Rafael entre 1483 e 1520, período em que ele
viveu, para um observador no ano de 1520 a obra possui toda uma realidade
contextual e material, todo um contato imediato que dificilmente em anos
posteriores outros apreciadores terão noção; tal como um apreciador das mesmas
obras no ano de 2008, que além de não possuir o frescor da tinta e materiais
empregados originalmente, na ocasião, pelo artista, em decorrência das
intempéries naturais do tempo, certamente, depois de mais de 450 anos depois de
pintada, a obra sofreu acidentes naturais e “ataques” artificiais de técnicos
especialistas, buscando, a todo custo, preservar a autenticidade e frescor das
cores, brilho, formas do patrimônio artístico deixado pelo genial artista.
Então, ante o desgaste “natural” sofrido pela
obra de Rafael, que a torna no ano de 2008 “diferente” de quando foi pintada
originalmente, no ano de 1520, se poderia afirmar que a obra que se vê no ano
de 2008 é falsa?! Não. Certamente que não. O desgaste natural e não-intencional
não retira a autenticidade, ineditismo e autoria da obra cuidadosamente
retratada, reproduzida, divulgada, documentada, certificada e publicada no
mundo inteiro com nome e patronímico certo do genial pintor.
(Ton MarMel)