(Luz azul sobre coração vermelho. Pintura de autoria do artista Ton MarMel)
Geralmente quando se deseja preservar o original de
um documento utiliza-se a cópia desse documento, visto que possui normalmente o
mesmo valor probante que o original, até mesmo com a dispensa de sua
autenticação em alguns casos. Noutras situações, quando se necessita da pública
forma de autenticação, o oficial cartorário ou órgão autenticador, opõe na
cópia do documento, certificado na sua presença, o carimbo com os dizeres “confere com o original”.
Assim, o fato da cópia apresentada conferir
formalmente com a aparência do documento original apresentados na mesma
ocasião, costuma se acreditar no teor do documento copiado, na aparência
idêntica à do documento original. No entanto, desse ato de atestar, desse veloz
certificar, dessa rápida conferência não se pode concluir que o teor material
do documento apresentado como original é autêntico, bom, verdadeiro e
inolvidável porque descabe ao oficial do
cartório o exame de mérito pericial dos documentos levados à sua presença ante
o fato do oficial cartorário, que autentica, não ser especialista no assunto
tratado no dito documento, infelizmente. Portanto, ele não pode ser
responsabilizado pela eventual e não-grosseira falsificação do documento
original e, conseqüentemente, ele não pode dar garantia de veracidade para a
cópia, apesar de confirmada e reconhecida por oficial com fé pública.
Por
isso, do mesmo que o registro e reconhecimento cartorário, o registro autoral –
feito também pela Biblioteca Nacional – tem a finalidade de declarar por
instrumento público o direito que o autor tem quanto ao que registrou e do modo
como o registrou. Afinal, o serventuário da Biblioteca Nacional não pode
analisar o conteúdo de uma obra levada a registro ou recusá-lo por ser parecida
com outra anterior. Mas, em todo caso, o registro na Biblioteca Nacional goza
de fé pública, o que quer dizer que, se um dia alguém alegar que um texto foi
alterado sem autorização do autor, a certidão do órgão é uma ótima prova não
só da anterioridade do registro.
Por
outro lado, ao mesmo tempo em que é ótima ferramenta de divulgação e democratização
de arte e cultura, a internet não representa nenhuma mudança nos
direitos autorais, principalmente em termos de ganho financeiro para os
autores: todo livro, toda melodia, todo poema, toda arte visual plástica, toda obra, enfim, que todo mundo sabe que foi feita por outro, que tem
dono, tem de ser usada com respeito ao conteúdo e à integridade, e se o dono
o consentir. O QUE É RESPEITAR? É
não modificar a obra, nem fazer modificações que alterem o pensamento de seu
criador, quando se utilizar da obra em nome dele. É sempre mencionar, quando
usar parte da obra alheia, o nome do autor e local de onde se retirou o trecho.
É, também, não usar ou comercializar nada que não lhe pertença, sem pedir a
devida e necessária autorização da pessoa física que a criou, ou da jurídica
que adquiriu por contrato a condição de autor (o que, juridicamente, se chama
de titularidade). A regra vale para qualquer mídia, e a internet é só
mais uma (nova) mídia que facilita a divulgação da arte.
Por outro lado, seguindo a tradição de países que
possuem a base da cultura jurídica calcada no direito romano, a lei autoral
brasileira, ao mesmo tempo em que facultou ao cidadão o registro de obra
literária, artística, ou científica (art. 18), não pressionou o Estado a
viabilizar os meios competentes “a defesa da integridade e autoria de obra
caída em domínio público”, conforme determina o § 2º do art. 24. Deixando, por
isso mesmo, sem controle um conjunto indeterminado de bens culturais de valor
incalculável, dos quais não se sabe se já caíram em domínio público, ou os usos
que se verificam no cotidiano não passam de crimes de “pirataria”.
Importa lembrar que, embora de uma maneira geral e
de acesso popular, nenhum registro,
certificação ou declaração emitidos sobre a face do planeta terra estejam
completamente imunes à fraude e falsificações, é inconteste o fato de que os registros são indispensáveis inclusive
para co-existência, confiança e credibilidade social nas suas próprias
instituições, bem como controle, organização e progresso dos próprios
organismos de proteção aos direitos autorais. Importa lembrar, também, que o
descontrole, a bagunça, a desordem só interessam ao caos e aos que só conseguem
sobreviver em meio ao fomento do ilícito, do injusto e antidemocrático.
Daí, dizer que o registro de um apartamento ou marca
associam uma pessoa ao bem pelo simples instituto da propriedade e exibição dos
respectivos documentos, e que esse mero ato de exibição tem o poder de afastar
qualquer pretensão à sua propriedade, ou eventual direito sobre ela, e, ao
mesmo tempo, negar que o registro de obra de obra intelectual (bem móvel)
possua o mesmo valor probante que os citados bens imóveis, é menosprezar o
basilar princípio da veracidade de “até prova em
contrário”, contido intrinsecamente em todo e qualquer
documento público ou particular que gozam, per
si, de presunção juris tantum (de direito até que se prove o
contrário) e não juris et de jure (de
direito e por direito) que não admite prova em contrário, jamais.
Do mesmo modo que, para ser considerado como
proprietário de um veiculo automotor (bem móvel) a lei exige, ad cautelam, como meio de prova
imediato, o registro de transferência junto ao Departamento de Trânsito,
sem, contudo, negar ao suposto proprietário os meios de prova admitidos em
direito, também é fato que a lei faculta,
com a mesma amplitude e validade, ao autor o registro de suas criações, por
cautela, e que tal registro serve inclusive como prova pré-constituída contra
todos; prova de identidade sobre a obra em si e sua autoria,
conforme o caso, e até prova em contrário a ser robustamente ofertada
por quem se ache aviltado.
De fato, a
autoria se prova com o fato da criação e outros meios atinentes, inclusive
por intermédio da prostituta das provas, como é o caso da prova testemunhal,
assim cognominada no direito universal; e de fato, com raríssimas exceções,
todos os meios só adquirem valor inconteste no âmbito judicial, e após o
trânsito em julgado da respectiva sentença.
Assim, sendo certo que a
providência de registro de obras intelectuais criadas não é dispensável, como falam alguns poucos fomentando a custódia da ignorância, mas que em
verdade se trata de uma faculdade
concedida na lei aos autores sobre suas criações autênticas, também é mais que certo que é culpa não prever
o que facilmente pode acontecer; que o direito nasce do fato, que a ninguém é
dado alegar a ignorância da lei, que a presunção cede à verdade, que as
palavras voam e os escritos permanecem, que o direito não socorre e não ajuda
aos que dormem ou negligenciam em sua defesa.
Dizer que a falta de registro visa a “proteção do
verdadeiro autor” contra espertalhões que, antieticamente, se auto-intitulam
criadores autênticos não chega sequer a ser meia verdade, o que equivale bem
mais que uma mentira inteira.
Como dito, a
prova de autenticidade de obra intelectual e autoria é feita em juízo, e
mesmo depois de provado em juízo, como não existem fiscais suficientes no
Estado inclusive em matéria autoral, cada
um é obrigado a ser fiscal de seus próprios interesses, contra tudo e
contra todos, resultando disso que não há garantias contra imitadores,
plagiadores e falsários, do mesmo modo que é certo que a única garantia que se
tem desde que se nasce é que um dia se sucumbirá.
Dizer,
por outro lado, que a providência de registro não traz serventia é menosprezar
a inteligência e capacidade dos demais; é afirmar que de nada vale o próprio
registro de nascimento, sua cédula de identidade, seu título eleitoral,
registros, documentos e certificados particulares, inclusive os escolares e
acadêmicos, os atestados de vida e idoneidade moral; é induzir o outro em
erro; é negar os benefícios que poderão advir no futuro em caso de
eventual disputa judicial que recaia sobre autoria, autenticidade,
originalidade, ineditismo, derivação, edição, produção, contrafação e muitos
outros, porque ao autor incumbe provar o fato constitutivo de seu
direito, e ao réu incumbe provar os fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos do direito do autor; essa é a regra e não a exceção (arts. 333,
I e II, CPC).
(Ton MarMel)